"Dizer que um alimento está apto ao consumo é mais que apenas ver se está em bom estado de conservação, baseando-se apenas num exame visual", afirma presidente do Anffa Sindical, Maurício Porto, em artigo escrito ao Nexo Jornal. Leia na íntegra
Por Maurício Porto
Recentemente, o caso de uma importante chef brasileira que teve queijos e embutidos comprados em outro Estado apreendidos edestruídos em decorrência da falta do selo do SIF (Serviço de Inspeção Federal) chamou a atenção do país. Com toda a razão, a chef reclamou que os produtos, em perfeito estado de conservação, foram descartados, num país em que há tanta fome. Ocorre que só o selo é a garantia de que o alimento está apto ao consumo. Seja para os participantes de um grande evento, seja para as pessoas que hoje se encontram em situação de fome.
Um relatório da Organização Mundial da Saúde (https://nacoesunidas.org/mais-de-420-mil-pessoas-morreram-por-doencas-transmitidas-poralimentos-em-2010-revela-oms/) apresentado em 2010 apontou que 420 mil pessoas morreram no mundo em decorrência de doenças de origem alimentar. No Brasil, entre 2000 e 2010, 70% dos casos de doença de Chagas foram associados ao consumo de alimentos, de acordo com o estudo.
Em 2012, duas pessoas morreram no Paraná, em decorrência do consumo de salsichão contaminado com a bactéria causadora do botulismo. Um surto de faringite e de síndrome nefrítica atingiu o Minas Gerais em 2013, por causa do consumo de produtos caseiros ou artesanais produzidos com leite cru contaminado. Em 2015, em Santa Catarina, 130 pessoas foram diagnosticadas com brucelose, doença transmitida pelo consumo de carne mal cozida e leite cru contaminados. Os casos só não são mais numerosos e mais graves porque a defesa agropecuária é atuante e eficiente no país.
Em decorrência da autonomia federativa, a responsabilidade pela fiscalização de produtos de origem animal no Brasil é compartilhada pelas três esferas de governo. Cabe à esfera municipal regular os produtos produzidos e comercializados apenas no seu território; aos estados, os comercializados entre os municípios que compõem o estado; e, ao governo federal, os comercializados entre os estados e os exportados. Os estados e municípios que tiverem interesse podem pedir equiparação aos modelos de fiscalização federal e receber autorização para fiscalizar os produtos de circulação nacional.
Dizer que um alimento está apto ao consumo é mais que apenas ver se está em bom estado de conservação, baseando-se apenas num exame visual.
É necessário um controle de toda a cadeia produtiva, especialmente no transporte do produto até o destino final, para garantir que o que chega à mesa do consumidor, seja brasileiro ou estrangeiro, não fará mal à saúde e à produção agropecuária.
O maior problema do produto não fiscalizado é a saúde da população, sem dúvida. Mas também há a preocupação com a produção agrícola e pecuária. O Brasil, país de extensões continentais, tem estados livres de doenças, como é o caso de Santa Catarina com a febre aftosa. A entrada da doença em alimentos poderia comprometer o mercado, a balança comercial e os empregos naquela região.
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (https://www.anffasindical.org.br/estudo.pdf) encomendado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários, responsáveis pela emissão do selo do SIF, aponta que a correta defesa agropecuária evita R$ 71,6 bilhões de gastos com insumos e garante a manutenção de mais de 2,2 milhões de empregos.
Como a fiscalização está inserida no crivo da autonomia federativa, cada estado é responsável por elaborar suas regras, que são feitas com base na sua realidade. O Serviço de Inspeção Federal é o responsável pelas normas que levam em conta a realidade brasileira. São mesmo mais complexas e, às vezes, mais caras para cumprir. Mas o Estado não é insensível ao pequeno produtor e ao produtor artesanal.
Desde 2013, há uma instrução normativa específica para os produtores artesanais, e várias regras vêm sendo estabelecidas para adequar os pequenos produtores de cada uma das cadeias produtivas de origem animal às normas nacionais. Este ano, a Instrução Normativa 5/2017 regulamentou a produção de leite, mel e ovos. Não é uma simplificação ou flexibilização, mas uma adequação à quantidade e ao tamanho dos maquinários e equipamentos que fazem jus à realidade das pequenas propriedades e da agricultura familiar.
O rigor com a defesa agropecuária é uma ordem mundial. Os países que compõem a União Europeia têm menos autonomia sobre como preparar produtos de origem animal que os estados e municípios brasileiros. Todos os países seguem a norma única do bloco. E têm uma realidade sanitária muito diferente da brasileira. É razoável supor que um queijo francês possa ser produzido com um tempo menor de maturação que o exigido no Brasil, porque, lá, o gado leiteiro está em condições sanitárias mais favoráveis para tanto.
Na semana em que os produtos foram descartados aqui no Brasil, foi veiculada a informação de que um queijo brasileiro, exposto numa feira na Itália, precisou ser recolhido, porque não possuía o selo de certificação internacional. Lá, na Itália, não tinham certeza de que aquele produto não faria mal à saúde da população. Não tinham certeza de que sua produção agropecuária não seria atingida por um patógeno e colocaria em risco a economia. Porque a discussão não é sobre selos. É sobre segurança alimentar.
Maurício Porto é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários.
Artigo escrito para o jornal NEXO (Acesse).