No último dia 04 o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu o certificado de Indicação Geográfica (IG) ao 102º produto brasileiro, a uva niágara rosada de Jundiahy. O documento foi emitido após um trabalho de 14 anos.
Produtos de indicação geográfica são aqueles cujas características ou qualidades vinculadas se devem à sua origem, considerando os fatores naturais (clima, solo, etc.) e humanos (saber-fazer). Como exemplos temos o queijo Canastra (MG), o guaraná de Maués (AM), os vinhos do Vale dos Vinhedos (RS), os cafés do Cerrado Mineiro (MG), Mantiqueira de Minas (MG) e Caparaó (ES), entre outros, explica a auditora agropecuária do Serviço de Projetos de Indicações Geográficas e Fomento à Agroindústria do Ministério da Agricultura e Pecuária (SEPIGA/MAPA), Débora Gomide Santiago.
Atualmente o Brasil possui 111 IGs registradas, sendo 102 referentes a produtos brasileiros diversos (agroalimentares, artesanatos e serviços) e nove estrangeiras (Região dos Vinhos Verdes – Portugal; Cognac – França; Franciacorta – Itália; San Daniele – Itália; Porto – Portugal; Napa Valley – EUA; Champagne – França; Roquefort – França; e Tequila – México.)
O reconhecimento de Indicações Geográficas é feito junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Para isso, produtores interessados na certificação de produtos dessa natureza devem apresentar documentação comprobatória de que o nome geográfico a ser protegido está vinculado a determinado produto, território e conjunto de produtores, sendo composta, também, do Instrumento Oficial (IO) que delimita a área territorial da indicação geográfica, emitido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
Atuação do MAPA
Segundo Débora Santiago, o Ministério da Agricultura atua tanto na estruturação da política pública de indicações geográficas, como no fomento ao uso desses signos junto aos produtores nos diversos estados da Federação. Atua também na revisão e atualização de normativos brasileiros, na capacitação de pessoas, na promoção de produtos e regiões (nacional e internacionalmente), e fornece apoio técnico à área internacional do MAPA em questões relacionadas às IGs nos Acordos de Cooperação.
Em referência à uva niágara de Jundiahy, a Débora destaca orgulhosa que a concessão da IG teve total apoio do MAPA, que realizou o acompanhamento técnico no Estado, sob responsabilidade do auditor fiscal federal agropecuário Francisco Mitidieri, assim como a emissão do Instrumento Oficial (IO) que delimita a área territorial da indicação geográfica.
A auditora ressalta ainda o trabalho de proposição de parcerias em nível estadual a fim de estabelecer e melhorar a governança sobre as IGs. “A equipe técnica do MAPA tem sido o principal incentivador para a criação de Fóruns de Indicação Geográfica, sendo o do estado de São Paulo o último a ser formalizado pela Portaria MAPA n° 638/2023, cuja solenidade de abertura do Fórum aconteceu na última quinta-feira (06) na Superintendência de Agricultura e Pecuária de São Paulo.”
Para Francisco Miditieri, a implantação do Fórum de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas do Estado de São Paulo será um espaço valioso para a integração de agentes públicos e privados que possuem um objetivo em comum: o fomento e elaboração de ações com vistas à promoção de identificações geográficas do Estado.
Economia X Falta de investimento
“Estudos comprovam que as Indicações Geográficas podem trazer benefícios econômicos, sociais e ambientais para as regiões, relacionados à agregação de valor aos produtos, preservação do patrimônio cultural, da biodiversidade e dos recursos naturais, geração de emprego e renda, e à movimentação de outros setores da economia local, como a gastronomia e o turismo, o que contribui para a redução o êxodo rural”, informou Débora.
Nesse contexto estão inseridos os auditores agropecuários responsáveis pela regulamentação e fiscalização de atividades agropecuárias. Ocorre, porém, que assim como em outras áreas administradas pelo MAPA, a falta de pessoal impede que tais atividades sejam desenvolvidas em sua plenitude, com a celeridade e atenção necessárias a esse tipo de processo.
Tomando como exemplo a Indicação Geográfica da uva niágara de Jundiahy que demorou quase 15 anos para ser finalizada, a auditora agropecuária pontua que embora haja uma importante parcela do trabalho realizada pelos próprios produtores, que nesse caso, foi representada pelas discussões acerca da grafia e da delimitação do território, o trabalho do setor regulador demanda um tipo de conhecimento específico dos envolvidos no processo de estruturação, com vistas a garantir toda a potencialidade de agregação de valor e desenvolvimento territorial. Nesse cenário, são poucos os conhecedores dessa temática que possuem arcabouço técnico-científico para atuar no País.
“A insuficiência de servidores no MAPA, tanto quanto de recursos financeiros, afeta diretamente o trabalho, ainda mais quando consideramos que o apoio aos produtores é feito principalmente pelas SFAs. Temos observado que em muitos estados, outras instituições têm tentado cobrir essa falta de atuação do Ministério, o que tem gerado processos falhos, que atrasam a etapa de registro junto ao INPI, gerando retrabalho posterior e desestímulo a muitos produtores”, relatou.
Por se tratar de atividade de fomento, é difícil mensurar o volume de trabalho realizado pelo SEPIGA. Somado a isso, segundo o Serviço, há tempos a Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação (SDI) enfrenta dificuldades em capacitar e manter auditores agropecuários atuando com a temática. “O número de affas é ínfimo.” Para Débora, o mínimo necessário de auditores agropecuários responsáveis pela pauta deveria ser de ao menos um por Estado, além do reforço de servidores na sede, onde apenas ela atua.
Outra questão problemática que vem afetando o setor foi a alteração organizacional que transformou a Coordenação de Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários (CIG) no Serviço de Indicação Geográfica. O Anffa Sindical alertou para os potenciais desequilíbrios gerados por essa mudança (relembre aqui), relatou a situação em ofício ao Presidente da República, e solicitou revisão da proposta junto ao Secretário executivo do Ministério da Agricultura, Irajá Lacerda, e seu adjunto, Luiz Rodrigues (saiba mais).
Na prática a nova estrutura estagnou o trabalho do agora Serviço de Indicações Geográficas, conforme relata a servidora. “Como a equipe foi reduzida apenas à minha pessoa, não há possibilidade de assumir nenhuma nova frente no momento. Diante disso, temos compartilhado muitas das ações em andamento com técnicos nos Estados, para que não haja paralisação ou descontinuidade do serviço, entretanto é fundamental que seja feita a recomposição da equipe para a reestruturação de nossas atividades, bem como a realização de novos concursos para ingresso de colegas que possam atuar nesse setor que, com o passar dos anos, só cresce em importância no país.”