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Debate sobre Autocontrole no Senado tem grande participação de setores envolvidos

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Aconteceu na manhã de hoje (12) a sessão de debates acerca do PL 1.293, no plenário do Senado Federal. Ao todo, participaram doze representantes de entidades civis. Das 12 entidades, algumas não são contrárias ao PL, porém a maioria entende que ele representa importantes riscos à saúde pública nacional.

A sessão foi aberta pelo relator senador Luiz Carlos Heinze (PP/RS) que apresentou os convidados e convocou o primeiro deles, Sr. Lincoln Roberto Nobrega Cordeiro, Procurador do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), oferecendo-lhe a palavra. 

O Procurador iniciou sua fala destacando que o processo de modernização é natural e necessário, porém contém um fator limitador em relação a avanços e retiradas de direitos que é a Constituição Federal. Segundo ele, o PL do Autocontrole se apresenta sob ideia de facilitação administrativa, de desburocratização, mas durante a leitura do texto destacou diversos pontos que trazem insegurança jurídica em relação ao papel da defesa agropecuária e aos limites de atuação das empresas privadas.

Apontando documentos e especialmente destacando o artigo 7º, inciso III do PL que prevê a intervenção subsidiária e excepcional na atividade econômica dos agentes, Lincoln atestou: “Claramente há uma visão, para o Ministério Público do Trabalho, de redução da força da fiscalização” e enfatizou: “É fundamental fortalecer a fiscalização agropecuária e definir o limite de atuação das empresas privadas.”

Lincoln chamou atenção também para o valor estipulado para multas, as quais, em sua avaliação, têm caráter irrisório diante do faturamento das grandes indústrias multinacionais.

A seguir, o Secretário Adjunto da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), Sr. Márcio Rezende Evaristo Carlos obteve a palavra e apresentou o projeto em linhas gerais. Sem contrapor os aspectos suscitados por Lincoln Cordeiro, apenas respondeu : “A respeito das questões colocadas pelo Procurador Lincoln sobre fiscalização, eu diria ao senhor que são preocupações infundadas, na minha opinião”, e destacou que muitas das empresas do setor privado atualmente já possuem programas de autocontrole voluntariamente implementados.

Prosseguindo com as exposições, a Nutricionista, pesquisadora da USP e representante do Movimento Juntos Contra o Câncer, Isabelli Novelli falou sobre os riscos que o Brasil corre com a aprovação do PL. Com dados de pesquisas internacionais, a pesquisadora demonstrou que “a auto regulação tende a levar a uma análise mais fraca dos dados científicos”, o que pode acarretar em doenças por excesso de alimentos contaminados sendo oferecidos ao consumidor. 

Ainda nesse sentido, o Mestre em Direito e representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Matheus Falcão, suscitou a discussão acerca do artigo 19 º do PL, que autoriza a isenção e simplificação de registro e/ou cadastro a produtos de uso veterinário aplicados em animais produtores de alimentos e aos produtos sob controle de comercialização. 

Matheus apresentou aos presentes a informação da Organização Mundial da Saúde que  aponta que a resistência aos antibióticos, será, em 2040, a principal causa de morte, superando inclusive o câncer e incentivou: “Nós deveríamos, na verdade, estar debatendo um aumento da regulação, um aumento da fiscalização. E veja só: ninguém é contra modernização, ninguém é contra informatização, como foi falado, muito pelo contrário. Esses instrumentos são muito relevantes para uma melhor fiscalização, uma melhor regulação. O que nós debatemos aqui é justamente o papel da fiscalização”, defendeu. 

Para ele, em mercados nos quais há assimetria de informações entre o consumidor e entre o fornecedor, a fiscalização e a regulação do Estado torna-se ainda mais importante, pois “acaba sendo os olhos do consumidor no setor produtivo.”

O debate seguiu com representantes da indústria como Carlos Lima, Diretor Executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), Andressa Silva, Diretora Executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz) e Gustavo Beduschi – Diretor Executivo da Viva Lácteos defendendo a aprovação do Projeto de Lei, já que, para eles, o PL representa “maior segurança ao consumidor, mais transparência entre o MAPA e as indústrias e uma fiscalização de forma mais eficiente mais eficaz”, nivelando as indústrias por cima.

Problema é o que não está escrito

José Rodolfo Ciocca, zootecnista e, estudioso em bem-estar animal, manejo pré-abate, abate e também de qualidade de carne em frigoríficos no Brasil e em alguns frigoríficos da América Latina há mais de dez anos apresentou dados de uma pesquisa conduzida pela World Animal Protection, (antiga WSA), realizada durante um acordo de cooperação com o Ministério de Agricultura para capacitar fiscais federais agropecuários em abate humanitário.

Contextualizando sua atuação ao longo desse tempo com o já mencionado artigo 5º do PL, Ciocca alertou que: “Nos anos em que a gente acompanhou o trabalho desses fiscais federais, por meio desse Programa Nacional de Abate Humanitário, nós observamos que, muitas vezes, havia uma inconsistência nos dados gerados pelo autocontrole da empresa comparados com esses dados oficiais. Isso mostra, de forma clara, que o programa de autocontrole, quando não fiscalizado de forma permanente e frequente pelos órgãos oficiais, gera um risco não apenas para os animais, mas também coloca em risco a saúde da população brasileira.”

Destacando um aspecto crítico da relação proposta pelo PL ao permitir que as empresas contratem seus próprios fiscais, o zootecnista informou que tais falhas só foram identificadas e corrigidas por conta da presença de agentes de inspeção e auxiliares de inspeção com o trabalho junto ao veterinário oficial. “Ações essas que, muitas vezes, não seriam detectadas pela empresa ou por um veterinário privado por inúmeros motivos, dentre eles conflitos de interesse ou até um excesso de carga de trabalho.”

A Diretora Executiva da Animal Equality Brasil, Carla Lettieri, foi contundente ao afirmar que “o problema não é o que está escrito, mas o que não está escrito”, em referência a diversas lacunas normativas ausentes do texto do Projeto. “A regulamentação por Portaria pode ser alterada a qualquer momento, e a defesa agropecuária não pode ser vulnerável o bastante para estar exposta a isso”, criticou. 

Em adição a ela, o vice presidente do Anffa Sindical, Sr. Ricardo Aurélio avaliou que há muita insegurança em aprovar o texto como está, na chamada ‘letra da lei’, com o argumento de compreender o que o legislador quis dizer no momento em que escreveu o texto, pois, uma vez que, com o passar dos anos, não esteja o legislador presente, a interpretação da norma pode tornear-se abstrata e passível de ser deturpada. 

Ricardo Aurélio pontuou as ações do Sindicato em contrário ao PL, como as 25 emendas apresentadas e destacou que o texto do Projeto não é convincente o bastante para trazer segurança à sociedade.

Inconstitucionalidade

Em uma análise jurídica e constitucional, o professor Vicente Athayde, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), alertou o Plenário para a necessidade de que o Projeto de Lei seja debatido também à luz da proteção de direitos fundamentais em razão da possibilidade de delegação de atividade tipicamente estatal aos agentes privados. “Este projeto de lei certamente demonstra ou pode demonstrar a forma como o Brasil protege os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República de 1988”.

O professor apontou três direitos fundamentais que podem, potencialmente ser violados com a aprovação do PL, são eles: O direito fundamental à saúde pública, art. 196 da Constituição; o direito fundamental à defesa do consumidor, art. 5º, inciso XXXII, da Constituição; e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, acrescentou ainda a proteção constitucional dos animais pela regra da proibição da crueldade contra animais do art. 225, §1º, inciso VII.

De acordo com diversos participantes que mencionaram o artigo 5º do PL como sendo problemático, Vicente ressaltou a redação do §1º do citado artigo, bem como o art. 7º, inciso III, que, em seu ver, “abre a possibilidade de uma fragilização e, eu diria, mesmo de uma precarização da atividade tanto de defesa agropecuária, mas, precisamente, da fiscalização agropecuária.”

Para ele, existe a possibilidade de que o texto pudesse ter sido melhor elaborado, já que “muitas vezes, a intenção do projeto não corresponde ou não é congruente exatamente com a redação que se coloca”, e por isso alertou que se o Projeto avançar, é necessário ponderar sobre a redação, para que não se abram brechas para essa precarização que pode acontecer do serviço de defesa e de fiscalização agropecuária, expondo à vulneração os direitos fundamentais citados.

Além dos convidados listados, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) e Zequinha Marinho (PL/PA) receberam a palavra e ambos concordaram que o PL significa uma modernização na indústria, com consequente geração de empregos e aperfeiçoamento do agronegócio no Brasil.

A esse respeito o Presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, Josélio Moura, defendeu que o Autocontrole não é um fim, mas um passo a mais no processo de melhoria das ações de defesa agropecuária. Elogiou os auditores agropecuários por ações históricas como o combate à peste suína e à febre aftosa e advogou em nome da classe, alertando a todos para o baixo efetivo de servidores e a necessidade de complementação do quadro de auditores na SDA, por meio da realização de concurso público.

O relator encerrou a sessão discursando em favor do Projeto de Lei e convocando os parlamentares a aprovarem o PL ainda neste ano.

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