Com base em nota técnica elaborada pelo Escritório Torreão Braz Advogados, o Anffa Sindical divulga análise jurídica da Portaria MAPA nº 788, de 14 de abril de 2025, que estabelece novas regras sobre o horário de funcionamento dos órgãos do Ministério da Agricultura e da jornada dos servidores públicos federais vinculados à Pasta, com destaque para os Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Affas).
A portaria foi editada com fundamento no art. 19 da Lei nº 8.112/1990, que define os limites mínimos e máximos da jornada de trabalho no serviço público federal, e no Decreto nº 1.590/1995, que atribui aos Ministros de Estado a competência para fixar o expediente das unidades sob sua gestão.
Regimes de jornada e plantão
Nos termos da nova portaria, os Affas poderão exercer suas funções tanto em jornada regular como em regime de turnos alternados por revezamento ou plantão, inclusive em finais de semana e feriados, a depender da natureza das atividades desempenhadas.
O art. 30 da Portaria prevê que o servidor poderá desempenhar suas funções de forma intercalada com períodos de folga, em regime de revezamento. A definição das atividades sujeitas a esse tipo de jornada caberá ao Secretário-Executivo do MAPA (art. 31). Já os plantões terão duração de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, conforme disposto no art. 32.
Conforme o art. 39, servidores escalados em regime de revezamento ou plantão não farão jus a qualquer acréscimo de pagamento, mesmo que a jornada ocorra em dias não úteis.
A normativa não trouxe qualquer alteração na sistemática de execução da jornada de trabalho dos AFFAs que atuam na execução de atividades de auditoria e fiscalização agropecuária a qual se dá mediante escalas e métricas definidas pela Secretaria de Defesa Agropecuária, mantendo as regras vigentes aplicáveis ao Serviço de Inspeção Federal (SIF), com base na Portaria SDA/MAPA nº 307/2021.
Regime de sobreaviso: ponto de atenção
Entre os dispositivos que geram maior atenção está a instituição expressa do regime de sobreaviso (art. 41), que prevê que o servidor poderá ser convocado durante seus períodos de descanso, conforme a necessidade da Administração. Entretanto, esse tempo de disponibilidade não será remunerado nem convertido em pecúnia — apenas as horas efetivamente trabalhadas poderão ser compensadas.
Embora haja precedentes judiciais que reconhecem a legalidade do sobreaviso para carreiras com legislação específica, como a Polícia Federal, a aplicação do dispositivo aos servidores do MAPA pode levantar questionamentos jurídicos, já que não há norma legal específica que preveja tal regime para os Affas.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO COLETIVA. SERVIDOR PÚBLICO. CARREIRA POLICIAL FEDERAL. JORNADA DE TRABALHO. REGIME DE SOBREAVISO. PORTARIAS N. 1.252/2010-DG/DPF E N. 1.253/2010-DG/DPF. LEI Nº 4.878/65. REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. COMPENSAÇÃO EM CASO DE EFETIVA CONVOCAÇÃO PARA O SERVIÇO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A sentença proferida na vigência do CPC/2015 não está sujeita à remessa necessária, pois a condenação nela imposta não tem o potencial de ultrapassar o limite previsto no art. 496, § 3º, do novo CPC. 2. Na forma do art. 370 do CPC, caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Dessa forma, sem reparos o indeferimento da oitiva de testemunhas, uma vez que referida prova em nada mudaria o quadro fático delineado nos autos. 3. A controvérsia dos autos cinge-se acerca da obrigatoriedade dos substituídos pelo Sindicato dos Policiais Federais do Acre SINPOFAC a se submeterem ao regime de trabalho em escala de sobreaviso e se têm direito à remuneração extraordinária ou compensação das horas em que ficam à disposição do Departamento de Polícia Federal na condição de sobreaviso, pagando-se, inclusive, o adicional noturno quando for o caso. 4. A Lei nº 8.112/90 dispõe, em seu art. 19, na redação dada pela Lei nº 8.270/91, que os servidores públicos cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de 44 (quarenta e quatro) horas e observados os limites mínimo e máximo, respectivamente, de 06 (seis) e 08 (oito) horas diárias, mas o §2º do mesmo artigo ressalvou que o disposto neste artigo não se aplica à duração de trabalho estabelecida em leis especiais. 5. Os servidores integrantes da Carreira Policial Federal se submetem a jornada de trabalho diferenciada, com regime de dedicação integral, conforme previsto em legislação especial (Lei nº 4.878/665), e, de consequência, não se lhe aplicam a carga horária semanal máxima prevista na Lei nº 8.112/90. 6. No regime de sobreaviso, instituído pelas Portarias nº 1.252/2010-DG/DPF e nº 1.253/2010-DG/DPF, o servidor da carreira policial se encontra em situação de mera expectativa de eventualmente ser convocado para o serviço, na hipótese de necessidade para atendimento de alguma situação de urgência, o qual não se confunde com o regime de plantão, em que os servidores são escalados efetivamente para permanecerem em serviço. 7. Inexistência de ilegalidade nas Portarias nº 1.252/2010-DG/DPF e nº 1.253/2010-DG/DPF, pois o regime de sobreaviso se mostra compatível com o regime especial de trabalho a que se encontra submetido o servidor integrante da carreira policial, especialmente no que tange à exigência de dedicação exclusiva, segundo a qual o servidor poderá ser acionado a qualquer momento, havendo necessidade do serviço, independentemente de se encontrar em serviço ou em horários de descanso (art. 2º da Lei nº 4.878/656). 8. Como no período de sobreaviso não há efetiva prestação de serviço pelos servidores da carreira policial federal, não há que se falar em sobrejornada e, por isso, em remuneração desse período como serviço extraordinário e nem em compensação de horários. 9. A Portaria nº 1.252-DG/DPF já assegurou o direito à compensação das horas efetivamente trabalhadas em regime de sobreaviso, ao determinar, em seu art. 24, que os servidores que forem acionados para exercer atividades fora do horário da jornada normal de trabalho farão jus à compensação das horas excedentes na proporção de uma hora de trabalho extraordinário para uma hora de descanso, nos termos dispostos em regulamentação própria. 10. Honorários de advogado majorados em 1% (um por cento) sob o valor arbitrado na origem, por força do art. 85, §11, do CPC/2015. 11. Apelação da parte autora desprovida. (TRF1, Primeira Turma, AC 0006539-76.2016.4.01.3000, Relator Desembargador Federal Eduardo Morais da Rocha, PJe 5.12.2023)
Vale observar que a previsão contida na Portaria MAPA n. 788/2025, relativa ao sobreaviso, é idêntica àquela contida no art. 30 da Instrução Normativa n. 2 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual MGI), de 12 de setembro de 2018, e similar ao objeto da Instrução Normativa n. 69, de 29 de dezembro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, que igualmente institui o regime de sobreaviso aos servidores que possam ser chamados em razão da necessidade do serviço público, sem direito ao pagamento de valores adicionais em razão disso.
Banco de horas e deslocamentos
A nova portaria também trata do banco de horas, limitando seu uso a até duas horas diárias, quarenta horas mensais e cem horas por ano civil, sempre mediante autorização da chefia imediata.
Quanto ao tempo de deslocamento em viagens a serviço ou no trajeto residência-local de trabalho (horas in itinere), a norma estabelece que esse tempo não será computado como jornada de trabalho nem como serviço extraordinário.
Tal previsão decorre do fato de que a vantagem prevista no art. 58 da Lei n. 8.112/1990 [1]já se destina à indenização, em pecúnia, pelo dia de deslocamento ou permanência do servidor em outra localidade. Além disso, tal previsão é compatível com o Decreto n. 1.590/1995, na parte que estabelece que o início da jornada de trabalho será estabelecido de acordo com o horário de funcionamento do órgão, repartição ou execução da atividade (consideradas aquelas atividades que, por sua natureza, são desempenhadas fora da repartição).
Por todo o exposto, embora a Portaria Mapa nº 788/2025 não altere a sistemática de jornada atualmente aplicada aos Affas na fiscalização agropecuária, o Anffa Sindical avalia com cautela os impactos da nova regulamentação, especialmente no que diz respeito ao regime de sobreaviso e aos limites de compensação em casos de jornada excedente, mesmo em situações de excepcional interesse público.
O Sindicato está em tratativas diretas com o Mapa para esclarecimento de pontos específicos da norma e estuda medidas para questionar dispositivos que possam ser considerados excessivamente restritivos ou incompatíveis com o regime jurídico da carreira.
1 Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.
§ 1º A diária será concedida por dia de afastamento, sendo devida pela metade quando o deslocamento não exigir pernoite fora da sede, ou quando a União custear, por meio diverso, as despesas extraordinárias cobertas por diárias.