Termina nesta segunda-feira (23) o prazo para contribuições da sociedade na consulta pública aberta pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) sobre a proposta de privatização das inspeções ante mortem e post mortem de animais destinados ao abate. Com a proximidade do fim do período de manifestações, cresce a preocupação do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) com a possível implementação da medida, considerada pela entidade um grave retrocesso sanitário, que causará riscos à saúde da população brasileira e dos consumidores de 157 países que importam a carne produzida no País.
A proposta de regulamentação da Lei do Autocontrole (14.515/2022) prevê a transferência dessas etapas fundamentais do processo de fiscalização, que são funções de Estado, sob responsabilidade de auditores fiscais federais agropecuários, para médicos-veterinários contratados pelos frigoríficos. Com isso, abre-se a possibilidade para violação ao princípio da imparcialidade que deve reger as inspeções sanitárias, já que elas devem atender apenas aos interesses dos consumidores, e não da indústria.
O Anffa Sindical também reforça que a alegação do governo de que há déficit de pessoal não pode servir de justificativa para delegar atividades de fiscalização a profissionais contratados por empresas que serão diretamente beneficiadas pela liberação de seus produtos. “Há, sim, uma falta de pessoal, que pode ser suprida com a contratação de novos servidores para o atendimento da crescente demanda. Porém, a saída encontrada pelo Mapa representa um claro conflito de interesses, que pode levar à flexibilização de critérios sanitários para atendimento dos pedidos dos produtos, colocando em risco a saúde da população”, afirma o presidente do Sindicato, Janus Pablo Macedo.
A transferência das inspeções para a iniciativa privada havia sido descartada pelo governo, durante as discussões sobre a legislação em 2022. Agora, diante da gravidade do cenário, o Anffa Sindical já protocolou denúncia junto ao Ministério Público Federal (MPF), solicitando a apuração de possíveis irregularidades e a adoção de medidas para impedir que a proposta siga adiante. Também ampliou as discussões com a sociedade, envolvendo entidades de defesa do consumidor e organizações que atuam na proteção aos animais.
A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) apresentou o Projeto de Lei 2714/2025, que propõe a revogação da Lei do Autocontrole. Segundo a parlamentar, delegar essa função ao setor privado é abrir mão da responsabilidade do Estado. “É um verdadeiro absurdo porque sabemos que um fiscal não vai multar o seu próprio chefe”, afirma. “A falta de fiscalização é péssima, também, para a nossa saúde, para a saúde pública, pois aumenta o risco da comercialização de carne e alimentos contaminados”, completa.
Em seminário realizado sobre o tema, a vice-presidente do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor, Shandra Carmen Sales, destacou os riscos da delegação das inspeções que, segundo a especialista, são uma forma de assegurar a inocuidade dos alimentos, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor. A legislação garante o direito de proteção à vida, à saúde e segurança contra quaisquer riscos provocados por produtos ou serviços. “A inspeção de produtos de origem animal e o rastreamento desde o abate até o varejo são ferramentas fundamentais para garantir tanto a segurança alimentar, como a segurança dos alimentos, a saúde pública, a economia do país e a justiça social. Protege os consumidores e fortalece o sistema alimentar brasileiro”, afirma Shandra.
Já a diretora-executiva da Animal Equality, Carla Lettieri, destacou os esforços da entidade desde 2022, quando foi publicado o Projeto da Lei do Autocontrole. A entidade realizou investigações em frigoríficos de aves, bovinos e suínos em Minas Gerais, no Pará e em São Paulo e atuou em parceria com outras 37 organizações. Agora, uma petição já reúne mais de 70 mil assinaturas de pessoas contrárias à legislação.
Para Carla, agora, o governo tenta, conscientemente, retirar as atividades de Estado e transferir para a iniciativa privada com ônus para a sociedade. “A presença do fiscal coíbe práticas. Onde havia presença do fiscal, não encontramos irregularidades relacionadas ao não cumprimento das normas vigentes”.
O Anffa Sindical reitera a necessidade de reforçar o quadro de auditores fiscais federais agropecuários por meio de concurso público e de preservar a autonomia técnica desses profissionais na garantia da qualidade dos alimentos consumidos no Brasil e exportados para mais de 150 países. Os profissionais da carreira seguem mobilizados e não descartam outras ações, como paralisações e ações judiciais contra a medida. “A privatização dessas inspeções representa um risco concreto à saúde pública, à segurança dos alimentos e à imagem do Brasil no mercado internacional, especialmente no momento em que o Brasil tenta avançar no acordo entre Mercosul e União Europeia. Estamos falando de uma atividade estatal essencial, que não pode ser terceirizada sem comprometer a confiabilidade do sistema de controle sanitário do país”, destaca Macedo.
Publicação: O Presente Rural
Fonte: FSB Comunicações – Assessoria Anffa Sindical