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Entrevista de Suzana Bresslau, do MAPA, e as medidas de combate à resistência antimicrobiana

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Gerada pelo uso excessivo e indiscriminado de antibióticos, a resistência antimicrobiana é um problema complexo e que afeta toda a sociedade, alerta a médica-veterinária Suzana Bresslau

O uso indiscriminado e equivocado de antibióticos ameaça a vida humana, animal e o meio ambiente. Que riscos e quais dados atestam a gravidade da situação? A Organização Mundial da Saúde (OMS) esclarece que a resistência aos antimicrobianos (AMR, na sigla em inglês) ocorre naturalmente, ao longo do tempo. No entanto, o uso indiscriminado e excessivo em humanos e animais está acelerando esse processo. Novos mecanismos de resistência estão emergindo e disseminando-se globalmente, ameaçando a habilidade de tratar infecções comuns, resultando em prolongamento de doenças, incapacitação e mortes.

A AMR é um problema complexo que afeta toda a sociedade, gerado por fatores interconectados. Por isso, a OMS, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) trabalham numa aliança tripartite na abordagem de saúde única para promover as melhores práticas, a fim de evitar sua emergência e disseminação.

A ausência de antimicrobianos efetivos para a prevenção e tratamento de infecções torna de alto risco procedimentos médicos como transplante de órgãos, quimioterapia, cirurgias, entre outros. Adicionalmente, aumentam os custos de assistência à saúde por conta de prolongadas internações hospitalares e necessidade de terapia intensiva. São cruciais ações coordenadas entre saúde humana e animal e setores do meio ambiente. Antimicrobianos são um bem público global e seu uso responsável e prudente em animais, de acordo com os padrões intergovernamentais da OIE, torna possível resguardar a eficácia desses medicamentos essenciais.

Um estudo sobre o tema coordenado pelo economista britânico Jim O’Neill estimou que o problema causa 700 mil mortes por ano. Até 2050, caso não haja mudança na abordagem, serão dez milhões, levando a mais óbitos anuais que o câncer e gerando um impacto à economia global de cerca de cem trilhões de dólares, relacionando a AMR à perda econômica pela diminuição da produtividade.

 

Entrevista

  • Qual é o papel do médico-veterinário no uso consciente desses fármacos? E como o zootecnista pode atuar?

Em contato com animais e criadores, o veterinário está na linha de frente da prevenção e controle da AMR. Ele deve prescrever antimicrobianos somente após o exame clínico dos animais, escolhendo o agente baseado na experiência clínica e no diagnóstico laboratorial, quando possível, bem como considerando a lista de agentes antimicrobianos de importância veterinária da OIE. Medicamentos não devem substituir as boas práticas pecuárias, as medidas de higiene e biosseguridade e os programas de vacinação.

O zootecnista pode, sim, atuar em prol da prevenção e controle da AMR, adotando na produção animal boas práticas agropecuárias, com destaque para a nutrição adequada e de qualidade, e implementando medidas pelo bem- -estar animal, reduzindo a necessidade do uso de antimicrobianos.

  • Quais são os maiores desafios para que se chegue, mundialmente, ao uso equilibrado de antibióticos?

Em 2015, os países-membros da OMS aprovaram o Plano de Ação Global sobre AMR, atendendo ao conceito de saúde única em colaboração com FAO e OIE, comprometendo-se a elaborar planos de ação nacionais. O plano tem como objetivos estratégicos melhorar a conscientização e compreensão sobre o tema; fortalecer os conhecimentos e a base científica, por meio da vigilância e pesquisa; reduzir a incidência de infecções com medidas eficazes de higiene e prevenção; otimizar o uso de antimicrobianos, bem como preparar argumentos econômicos voltados ao investimento sustentável, considerando necessidades de todos os países e de aumento no investimento de novos medicamentos, ferramentas de diagnóstico, vacinas e outras intervenções. Dos 194 países-membros da OMS, 93 já possuem um plano e 50 estão desenvolvendo um.

A Conferência Global da OIE em Resistência aos Antimicrobianos, em outubro de 2018, teve como lema “Colocando padrões em prática”, reforçando que, para garantir uma resposta de sucesso, harmonizada e sustentável para enfrentar a AMR, as recomendações internacionais devem ser implementadas em todos os níveis e áreas relacionadas à saúde e produção animal. Destacam-se a importância de ferramentas de comunicação e estratégias que disseminem mudanças comportamentais na redução do uso de antimicrobianos em animais, a promoção do uso responsável e prudente e a ampliação da colaboração entre os envolvidos.

Portanto, o grande desafio é que todos os países consigam, efetivamente, implementar os seus planos nacionais de forma alinhada às recomendações internacionais, o que demanda comprometimento político, regulamentação e governança efetiva, envolvimento multissetorial, além de investimentos financeiros para a execução das intervenções necessárias.

Em 1998, o Mapa restringiu diversos antimicrobianos para melhorar o desempenho de rebanhos. Em 2018, publicou o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Agropecuária (PAN-BR AGRO), como parte do Programa Nacional de Prevenção e Controle de Resistência a Antimicrobianos na Agropecuária (AgroPrevine). Poderia listar as principais ações voltadas à atuação do médico-veterinário e de que forma o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) está contribuindo?

Os médicos-veterinários são considerados protagonistas nas ações relacionadas à prevenção e controle da AMR e há diversas ações do PAN-BR AGRO voltadas ao profissional. Destacam-se a promoção de estratégias de comunicação e educação em saúde, o aprimoramento da formação e capacitação de profissionais e gestores da área de saúde animal, a atualização e aprimoramento do currículo do curso de Medicina Veterinária, a implementação de medidas de prevenção e controle de infecções, boas práticas agropecuárias, a promoção do uso racional e o gerenciamento adequado dos resíduos de antimicrobianos de uso veterinário, entre outros.

O CFMV participa de eventos organizados pelo Mapa e de grupos de discussão. Apoiou a elaboração e divulgação de materiais de campanha, bem como está organizando, em conjunto com o ministério, uma oficina para alinhar diretrizes da elaboração de protocolos de uso racional de antimicrobianos em animais. Ele é um parceiro estratégico para que o Brasil avance nas atividades de prevenção e controle da AMR, atendendo ao conceito de saúde única.

  • No Brasil, hoje, exige-se a receita, mas não a sua retenção. Isso pode mudar?

Um dos objetivos estratégicos do PAN-BR AGRO é a otimização do uso de antimicrobianos, tendo como atividade avaliar e propor estratégias regulatórias para aumentar a supervisão veterinária no uso de antimicrobianos em animais, tema de uma oficina realizada em setembro, com a presença de representantes do Mapa, Anvisa, CFMV e entidades representativas da indústria e produtores rurais. A legislação atual já prevê a comercialização dos antimicrobianos ao usuário sob prescrição do médico-veterinário, bem como a obrigatoriedade da retenção de receituário veterinário para a fabricação de alimentos para animais contendo produtos antimicrobianos de uso veterinário. Na oficina, foram ainda ressaltadas as recomendações da OIE quanto ao uso em animais e à necessidade de atenção especial a antimicrobianos das classes quinolona/ fluorquinolona (ciprofloxacina, norfloxacina, danofloxacina, enrofloxacina), cefalosporina de terceira e quarta geração (ceftiofur, cefoperazone, cefquinome) e polimixina (colistina). Concluiu-se que novas regras para implementação de retenção de receituário veterinário devem prever fases de transição e prazos diferenciados para adequação, tanto por cadeias animais quanto por classes de antimicrobianos, bem como a necessidade de treinamentos relativos às futuras alterações na legislação e à implementação de novos procedimentos.

  • Fala-se muito do uso dos antimicrobianos na produção animal. Em relação às demais espécies, principalmente, para animais de companhia, há uma orientação específica?

As orientações gerais são as mesmas: receitar antimicrobianos somente após o exame clínico, com base em experiência clínica e diagnóstico laboratorial, quando possível, e considerar a lista de agentes de importância veterinária da OIE. No caso de animais de companhia, antimicrobianos não devem substituir medidas de higiene e programas de vacinação. O PAN-BR AGRO prevê a elaboração de protocolos de uso racional de antimicrobianos para diferentes áreas e cadeias da Medicina Veterinária.

  • E quanto à prescrição de antibióticos de uso humano para uso veterinário, que riscos estão envolvidos?

O ideal é que os veterinários somente prescrevam antimicrobianos de uso humano caso não haja nenhum produto de uso veterinário indicado para a espécie animal e patologia diagnosticada. Em especial para animais produtores de alimentos, a prescrição deve ser restrita a situações excepcionais, apenas caso não haja aprovação da substância para outra espécie animal. Todo uso extrabula de antimicrobianos, ou seja, o emprego de modo diferente do previsto na sua rotulagem, deve ser limitado e restrito aos casos em que não haja opções, sempre sob a responsabilidade direta do médico-veterinário, baseado em diagnóstico, com a ciência e consentimento do proprietário do animal e, em especial, preservando as classes de antimicrobianos criticamente importantes na medicina humana. A presença de resíduos acima dos limites de segurança estabelecidos em alimentos e o desenvolvimento e disseminação da AMR são considerados riscos à saúde pública relacionados ao uso extrabula.

Fonte: Revista CFMV

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