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A celeuma do SIF

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As falas sobre sistema privado de inspeção, sistema misto, terceirização, inspeção com base em autocontroles revelam um preocupante equívoco que pode comprometer os resultados das políticas de inocuidade dos produtos de origem animal produzidos no Brasil e as pretensões do agronegócio brasileiro. 

No mundo todo, a discussão sobre a necessidade de revisão da doutrina dos sistemas de inspeção remonta ao final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990. É possível que os primeiros debates sobre o assunto, de alguma forma, tenham começado no Congresso Mundial da Carne, realizado no Canadá em meados dos anos de 1980.

Hoje, como antes, prevalece o consenso de que a revisão do sistema de inspeção deve ter como objetivo a melhoria da inocuidade dos alimentos ou, em outras palavras, deve ser fundamentada em razões de saúde coletiva. E, para isso, não faltam motivações.

Para manter a discussão com exemplo doméstico, lembremos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera o complexo teníase-cisticercose como doenças endêmicas no Brasil. Por outro lado, a comunidade científica reconhece que as técnicas rotineiras de inspeção detectam apenas 10% dos casos de cisticercose que ocorrem nos estabelecimentos de abate de bovinos e suínos.

Surpreendentemente, no debate nacional, as questões relativas à saúde coletiva não são abordadas pelos doutrinadores patrícios, talvez porque, aqui, as discussões são conduzidas por juristas, administradores, economistas, burocratas e outros, sem ou com pouca participação de especialistas em saúde coletiva. 

É importante lembrar que doutrinadores como a Organização Mundial de Saúde, a Comissão Internacional sobre Especificações Microbiológicas para Alimentos (ICMSF, sigla em inglês), os Comitês sobre Critérios Microbiológicos e Inspeção de Carnes dos Estados Unidos da América (“National Advisory Committee on Microbiological Criteria for Food and National Advisory Committee on Meat and Poultry Inspection”), dentre outros, desde muito, destacam dois aspectos fundamentais à melhoria dos Sistemas de Inspeção:

  • (i) a transferência do comando e controle dos processos de abate de animais do governo para a indústria;
  • (ii) a mudança do modelo de inspeção exclusivamente reativo para um modelo preventivo.

De acordo com as citadas Organizações, a transferência do comando e controle é fundamental para que a indústria reforce seu comprometimento com a qualidade dos produtos, eximindo os serviços oficiais de quaisquer responsabilidades. 

Os veterinários mais experientes certamente se recordam de que eram obrigados a chegar aos estabelecimentos uma hora antes do início do abate para inspecionar as instalações, equipamentos e autorizar o começo da produção. Executavam, portanto, tarefas próprias do detentor do comando e controle do processo.

Com o novo ordenamento, tornou-se necessária a implantação de mecanismos que permitem avaliar a efetividade dos controles desenvolvidos e implantados pela indústria. As ferramentas utilizadas para essa finalidade são os programas de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, as Boas Práticas de Fabricação, as Boas Práticas de Higiene ou os Programas de autocontrole. Assim, independentemente da denominação utilizada, nenhuma dessas ferramentas pode ser considerada sistema de inspeção de alimentos; são apenas instrumentos auxiliares que facilitam a avaliação a cargo dos Serviços Veterinários.

Possivelmente, devido às incertezas dos métodos de inspeção de carnes, a mudança mais importante, defendida pelos doutrinadores alhures, refere-se à substituição de técnicas sensórias e provas laboratoriais (ações reativas) pela avaliação da efetividade dos controles executados nas fases de produção (ações proativas). É claro que essa mudança doutrinária exige novos métodos de execução da inspeção e um contínuo treinamento técnico dos agentes públicos responsáveis pela fiscalização. 

A revisão da história do Serviço de Inspeção Federal permite identificar quatro ciclos expansionistas da abrangência das políticas de saúde coletiva envolvidas na produção de produtos de origem animal, ou seja:

  • (i) a fase compreendida entre a publicação da notável Exposição de Motivos do então Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, Rodolpho Nogueira da Rocha Miranda, no Governo Nilo Peçanha – justificando a necessidade de instalação de “matadouros modelos”, câmaras frigoríficas e da criação de Serviço Veterinário – até o ano de 1915, quando ocorreu a instalação dos primeiros matadouros-frigoríficos e a publicação do primeiro Regulamento de Inspeção Sanitária de carnes;
  • (ii) o segundo ciclo corresponde à publicação do Decreto nº 24.550, de 03 de julho de 1934, que atualizou o Regulamento da Inspeção de Carnes e fortaleceu as ações da Inspeção Federal; aliás, com conteúdo bastante similar aos títulos de inspeção de carnes do Regulamento atual (Decreto nº 9.013/2017);
  • (iii) a Lei nº 1.283/1950 e o Decreto nº 30.691/1952 ampliaram a atuação do SIF com a inclusão da inspeção de produtos cárneos, lácteos e pescado;
  • (iv) o último ciclo corresponde ao programa de Federalização da Inspeção de Produtos de Origem Animal, decorrente da aplicação da Lei nº 5.760, de 03 de dezembro de 1971. A federalização é reconhecida como o maior programa de saúde coletiva aplicado no Brasil em todos os tempos.

Como se percebe, os quatro ciclos têm como característica comum a melhoria das políticas de saúde coletiva alinhadas aos produtos de origem animal. Portanto, a abertura de novos mercados às carnes produzidas no Brasil foi uma consequência natural. 

Dessa forma, denota-se que as nossas próprias experiências precisam ser valorizadas, até porque, independentemente da doutrina econômica vigente no país, são as corretas políticas de saúde coletiva que abrem as portas dos mercados consumidores.

*Ari Crespim dos Anjos é Auditor Fiscal Federal Agropecuário aposentado, atuou como chefe da Seção de Operações de Industriais do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal em São Paulo de 1993 a 1996; foi chefe da Divisão de Controle do Comércio Internacional do DIPOA em 2004; Coordenador-Geral de Programas Especiais (CGPE) do DIPOA de 2005 a 2009 e assesor do Gabinte do Secretário de Defesa Agropecuária (SDA/MAPA) em 2009.

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